• Tarde

    A tua voz desta tarde

    Trazia a tarde na voz

    A voz entardecera na tua boca

    Da boca tardara a sair voz

    A tarde saíra sem voz da boca
    A boca sem saída

    A voz que tarda
    As tardes que não soube sair da tua boca

    — Out 2021

  • Escrevo-te um poema

    Escrevo-te um poema
    E já comecei
    Escrevo-te um poema
    Dizendo o que não sei.
    Escrevo-te um poema
    Com tudo o que pensei
    Escrevo-te um poema
    E já o acabei.

    — Out 2021

  • De repente

    De repente
    Pente
    Dente
    Ente
    Entre
    De repente

    (repetir)

    Set 2021

  • Alfama

    Encontrar-te em Alfama
    É um fado que se toca baixinho
    Entre as bocas
    E uma desgarrada

    — Ago 2021

  • Universo

    O Universo explora um espaço imaginário. 
    O abismo da linguagem que existe 
    Entre o mundo que conhecemos e o que fantasiamos.
    Um corpo que deseja a metamorfose
    E questiona as noções canónicas de identidade. 
    Exacerbado de cor, traduz uma poética do excesso.

    Habitamos momentaneamente um espaço indefinido
    Onde somos convocados a decifrar 
    E a contemplar a suspensão 
    Um cenário de caos 
    Que se situa entre a magia e a estranheza. 

    — Mai, 2021

  • A cidade e a floresta

    Dá-se tantas voltas à cidade para se acabar perdido na floresta.

    As árvores são prédios verticais.

    — Abr 2021

  • Existimos

    Haverão muitas palavras que ficarão por dizer. Haverão muitos gestos que ficarão por fazer.
    Mas entre tudo aquilo que não dissemos e tudo aquilo não fizemos: existimos.

    — Mar, 2021

  • 13 quadras

    Fiz-me de forte
    Rumei a norte
    Deixei na mão a sorte
    Que segura só a morte

    Desacertei ponteiros
    Sonhei mundos inteiros
    Plantei canteiros
    Em todos os travesseiros

    Fui junto com o vento
    Ao lugar do pensamento
    Onde o lamento
    É a cadeira onde me sento

    Remei o oceano
    Deste mundo insano
    Que o engano
    É viver em 2º plano

    Fui debaixo da terra
    Subi cada serra
    Do gesto que me encerra
    O espírito que me berra

    Corri a Cidade
    Meu sangue e identidade
    Meu rosto sem idade
    O me leve é a vontade

    Dancei entre o feno
    Medi meu terreno
    E achá-lo pequeno
    É cair no próprio veneno

    Passei fogo e gelo
    Enrolada no novelo
    Que meu único flagelo
    É que me ponham um selo

    Acordo de rompante
    Na noite flagrante
    E por um instante
    A vida ocupa-me estante

    Levo na viagem
    Aquela miragem
    De que a paisagem
    É o mundo à minha imagem

    Este sono que abraça
    É desenho na vidraça
    Que corpo fora da carcaça
    Sem alma não tem graça

    Meu peito é vendaval
    Minha alma o beiral
    Onde meu resto mortal
    Pousa entre o bem e o mal

    O melhor é por fim
    Viver deste motim
    Que dentro de mim
    Cabe um eterno jardim

    — Fev, 2021

  • Fernanda

    Conheci-a quando os seus dedos já se incartilhavam uns nos outros.
    Quando o tempo era para si já só apenas aquela casa. E depois aquele quarto. E depois aquela cama.
    Tinha vizinhas à janela da sua imaginação. E queria que a nossa visita durasse sempre mais um bocadinho do que o suposto. Perguntava sempre quando seria a próxima. Mesmo sabendo que nem nós nem ela saberíamos se haveria próxima.
    Trouxe da sua casa a cadeira onde costumava sentar a cada visita. Agora aqui da minha varanda continuamos a conversar.

    — Jan, 2021

  • Morte

    A morte tem este poder de nos deixar despidos por fora e enxarcados por dentro. É corpo mingado do silêncio de todos os gritos. É o eco da voz e dos gestos. É uma casa onde já não vive ninguém. O chão no lugar do tecto. É esperar por ela e não saber nunca o que esperar dela. A morte sou eu a olhar a escuridão à procura de silhuetas e no chão constelações.

    A morte são labirintos de água nos olhos.

    E a cada pessoa que morre percebemos menos da vida. E da morte também.

    — Jan, 2021