-
Candelabro
Os humanos e não-humanos. Pessoas, animais, plantas, elementos, minerais, raízes e tentáculos tentando encontrar espaços concretos e imaginados entre mares, bosques e assentamentos.
Forças centrífugas rumo àquelas supostas margens para descobrir palavras com um passado e um futuro ainda mais longe.
— Dez, 2023 -
Beira-mar
Há mares que saem do corpo.
Como marés cheias por dentro dos olhos. E nas pontas dos dedos pétalas de algas.
No areal de cabeça ao sol e mar ao fundo.
À borda a enrolar ondas
À tona, em sal-mouraUm dia hei-de nadar com os peixes e perceber como voam.
— Dez, 2023
-
Novos Tempos
(talvez um rap)
Tempos de solidão
Tempos de cinzas
Diante da escuridão
De fronte às ninfas
Tempos de dor
E do amachucado
Sem tempo para o próprio amor
É chover no molhado
Tempos de traição
Sem saber o caminho
Viver na mutilação
Do medo de se ficar sozinho
Tempos agrestes
Deste vento que sopra
Crescem os ciprestes
Por baixo da porta
Tempos das promessas
E do arrependimento
Lágrimas servidas em travessas
Sobre toalhas de cimento
Tempos de revolta
Em reino do egoísmo
Encurralar-se na mentira
E um pé no abismo
Tempos de fosso
Para tomar medidas
Com uma mão de sal grosso
Tratar as próprias feridas
Tempos de nostalgia
Ao soluçar do peito
Finde mais um dia
Em pretérito imperfeitoTempos em vão
Que não voltam arás
Andar-se de gatas no chão
Por não se ser capaz
Tempos de cansaço
E de avareza
Ancorar um braço
No canto da mesa
Tempos estes são temporais
Se escrevo sem tempo
É porque tenho tempo a mais.
— Dez, 2023 -
Cacilheiro
As pessoas de Lisboa têm a cara do avesso.
Falta de sorriso.
Longa espera pelo cacilheiro que chega atrasado a cada dia para si mesmo.
É entre a calçada portuguesa que os passageiros se entalam como vizinhos da mesma solidão.
— Dez, 2023 -
No fundo dos teus olhos
No fundo dos teus olhos
É difícil vir à tona.
Olhos meus náufragos de braços teus.
Há de alguém que te possa ancorar que não eu.
Trazes a rebentação das ondas aos olhos em tardes interruptas.
Poderia perder-me num ralo de uma pia.
Procuro flores no fundo do ribeiro.
Andorinhas pousadas nas sobrancelhas de Lisboa.
— Dez, 2023 -
As in heaven, so on earth
As in heaven
So on earth
Delusions are presented in an white cube into a box of dreams.
Space creates an imaginary place.
Figurative distortions.
The aesthetics of exaggeration.
Reality is moulded into comedy of the unconscious.
Meticulously crafted.The desire of liberation is a body that desires identity.
A body that contemplates the suspension of a dream.
A chaos made up bodies
A heaven made up of dreams
— Dez, 2023 -
Há
Há qualquer coisa que anda no chão
Há qualquer coisa pelo corpo a trepar
E por qualquer coisa perdemos a razão
Em qualquer coisa que ninguém quis amar
Há quem venha em surto e em silêncio
Há quem venha de vento e de espada
E por quem nos faz por dentro incêndio
Haja quem arme a sua própria cilada
— Nov, 2023 -
Dia esdrúxulo de Outono
Um dia de Outono
Cabe no perímetro da tua cama.
Centopeias de palavras cozem-se
em várias casas decimais.
Enigmas postos por cima de um joelho.
E o rosto contra o peito.
Desdobram-se as horas. E a chuva.
A noite cai ainda de tarde.
— Nov, 2023 -
Agora
Quanto tempo exatamente dura 'agora'?
— Out, 2023 -
Caxinas
Encostada à marginal
Pregões de peixe fresco
Rede como lençol no areal
Anzol, linhas e cestoA maré vai vaza
Nas ruelas de Caxinas
A varina que passa
A nortada e a neblinaOnde o vento fino sopra tempestades antigas
O farol faz sombra nas ondas
Violentas e revoltas levam as cantigas
De quem tomou a noite suas rondasBarcos em hora de partida
Braços ao mar
Porto noturno onde se faz guarida
O estaleiro de proas a ancorar— Out, 2023
-
Entardecer
Entardecer sobre todas as pedras.
Olhos de sono.
Lusco-fusco nas poças.
Asas de pássaros espalhadas pela escarpa. E ninhos no alto das árvores onde só eles alcançam.Pela tarde já não é mais possível amanhecer o mesmo dia.
— Out, 2023 -
Cigarras
O seu cabelo tem fios de seu pai. E cada vez que sorri há pontas da sua mãe. O desenho do seu cotovelo é de uma tia. E os dedos dos seus pés são herança de alguém mais distante.
Na sua pele há pêlos que se arrepiam por motivos que não sabe por quê. E a sua personalidade molda-se numa mó antiga onde se peneira em moinhos presos ao céu.
Os seus dias amanhecem-se por detrás do umbigo. Com várias pernas e vários braços. Cabeças trôpegas a rebentar o seu ventre. Bichos da seda de muitas primaveras não vividas. Invernos gélidos de barcos afundados.
As cigarras cantam a madrugada de um dia que terá tecto, talvez água. Incêndios por debaixo do soalho. Uma seara para atravessar nas pálpebras.Fecha os olhos. Há pele para sentir. Abraços por dar. E olhos para ver de perto. Abre os olhos. Já é outono.
— Set, 2023
-
Hotel
Aqui podia ser uma árvore gigante, um jardim, uma casa habitada, um passeio largo.
Mas é mais um hotel.
Porto.
— Set, 2023
-
Classificado
Procura-se pessoa livre, experiente, séria, honesta, de bons modos e bom tom para possível amizade que aprecie as nuvens do mar e compreenda as ondas do céu.
— Set, 2023
-
Setembro
Setembro é um mês mal resolvido. É início e fim. Fim de férias, início de escola. Fim do verão, início de outono.
Setembro não sabe escolher lados. Não papa grupos. Promete um café que nunca virá. Acena à distância e pergunta se está tudo bem sem esperar resposta.Faz cerimónia para pagar a conta no fim. Faz mute nos grupos de WhatsApp. Deixa ser os outros a decidir. Só aparece e pede boleia. Chega atrasado por sistema e feitio. Não sabe o que vestir. Não responde. Não convida.Setembro cansa-se do Agosto. Acha-o demasiado presente. Porque Agosto é desligado. Só quer saber do seu bronze umbigo despido virado para o sol. Não pensa no amanhã, acha-se eterno. É um fala-barato.
Setembro cansa-se do Outubro. Acha-o demasiado ausente. Porque é depressivo, leva o agasalho pelos ombros e olhar nas folhas que caem. Só quer saber da melancolia dos dias e dos ouriços de orvalho. Não fala com ninguém.
Setembro já começou. E ainda não sabe bem o que é.
— Set, 2023
-
Solitária
Acordar cedo demais por ter ousado plantar água no fogo.
O desejo é mais longo que a manhã. A espuma sai das mãos entaladas no colo das pernas cruzadas. Deixa-me desvanecer solitária da minha vontade sem que tu contemples o meu orvalho. Há um jardim trêmulo onde a despedida é um prefácio de todos os dias que estarão por nascer entre nós.
— Set, 2023 -
Feira do Livro
Vim à feira do livro procurar poemas que falassem comigo. Capas de livros que me lamentassem os seus versos. Vim ler o que se chora nas prateleiras. Os poetas que nos seus túmulos continuam a morrer todos as noites por paixões impossíveis. Vim ouvir a esperança dos vivos. Meu peito é um barranco nos intervalos dos dedos sobre as folhas despojadas de destino. Catarses de uma tarde onde teimo o frio e a fome para a literatura. Voltarei a casa quando fizer noite e seguirei sozinha no banco detrás do autocarro. A cidade irá passar-me à janela com os lamúrios dos seus mendigos. E eu seguirei viagem já com dois livros de poesia na mochila levada ao ombro. Não fui eu que os encontrei. Foram eles que me esperaram para virmos juntos para casa.
— Set, 2023
-
Pena dos homens
Vejo os homens e tenho pena deles. Por não terem sido mulheres. Por não terem sido as mulheres das suas mulheres. Seriam mais homens os homens que pudessem ser um dia as mulheres que um dia amaram. E amariam mais ainda elas por um dia as terem sido. Se os homens fossem por um dia mulheres queriam por certo não ser mais. Porque é duro e incerto. E dói demais. Mas se os homens fossem mulheres, as mulheres seriam a mais. Mas se as mulheres fossem mais, talvez não teríamos pena dos homens. A pena dos homens por mulheres se terem dado demais.
— Set, 2023
-
Arder
Quem ama arde por dentro.
— Ago, 2023
-
Póvoa
Amanhã tomarei o mar.
O Sal.
Os ventos do Norte.
Amanhã tomarei a areia.
Depois o areal.
As sombras atrás dos chapéus de sol desmaiadas.
Os meus passos longos duram tardes inteiras.
— Ago, 2023 -
Augusta
As suas histórias entrelaçavam-se nos seus dedos entre as rendas e o mar.
Obrigada 'avó' Augusta.
— Jul, 2023
-
Brisa
Numa mão levas a brisa.
Na outra trazes o vento.
Há trovoadas que despontam no teu peito que não sei velejar.
A noite cai-te por vezes na manhã diante dos ladrilhos do chão
E segues o dia com o corpo repartido numa estante.
— Ago, 2023 -
superfície
A superfície da terra não é mais do que o passado das profundezas do mar.
— Jul, 2023 -
Itália
Itália é uma palete de cores quentes.
Tem pores-do-sol nas fachadas e calor no vão das janelas pendurado.
— jul, 2023 -
Don't do
Don’t go faster, go deeper.
— Jun, 2023
-
Horas e pele
Gostava de estar um dia inteiro contigo e ver todas as horas do dia a passar-nos na pele.
— Jun, 2023
-
Nuvens
Os meus sonhos são nuvens em céus por baixo do chão.
— Mai, 2023 -
Largura
Morremos no comprimento do dia e na largura da cama.
— Abr, 2023
-
Dia da Mulher
Esta flor não é para ti.
É para outra mulher.
Aquela que não conheço e que não tem voz.
Aquela que conheço e junto a voz.
Aquela que já não está cá por ser mulher.
Aquela que já não está cá para ser mulher.
Aquela que não pode sair hoje à rua.
Encontro-te hoje na rua, na voz e nas mulheres.— 8 Mar, 2023
-
Verbo pensar
Quanto mais penso que não posso pensar em ti.
Mais penso que em mais nada posso pensar.
— Fev, 2023 -
Desejo
Que haja:
A objectividade para o plano e a subjectividade para o instinto.
— Fev, 2023